No Brasil, a presunção de inocência é garantida pela Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso LVII, que estabelece que “todos são inocentes até que sua culpa seja formada após processo legal transitado em julgado”.
Este princípio, visa proteger os indivíduos contra condenações arbitrárias. Assim, durante o curso processual, o réu deve ser tratado como se inocente fosse tendo sua liberdade assegurada, salvo em situações excepcionais.
A prisão preventiva, prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), é uma dessas situações excepcionais. Ela se destina a garantir a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
No entanto, como toda medida cautelar, deve ser fundamentada e proporcional, sendo vedada sua utilização como forma de antecipar a pena. Apesar disso, a realidade mostra que, frequentemente, a prisão preventiva tem sido aplicada de forma abusiva, tornando-se um mecanismo de punição antes do trânsito em julgado.
Essa prática vai de encontro à jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento do HC 186.421, o STF reforçou que a prisão preventiva não pode ser utilizada como pena antecipada, uma vez que isso viola o princípio da presunção de inocência.
O Tribunal também salientou que a decretação da medida exige elementos concretos que demonstrem a necessidade da prisão cautelar, não bastando fundamentações genéricas ou abstratas.
O uso indiscriminado da prisão preventiva tem impactos diretos no sistema prisional brasileiro. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui mais de 800.00 mil presos, sendo que grande parte desse número são de presos provisórios.[1] Tal realidade contribui significativamente para a superlotação carcerária, criando um ambiente insalubre e violador de direitos fundamentais.
Em 2015, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o STF declarou o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional, reconhecendo que a omissão do poder público tem causado uma “violação massiva de direitos fundamentais”.
A superlotação prisional também agrava a ressocialização dos custodiados. Instituições superlotadas e sem condições adequadas de infraestrutura reforçam a marginalização, dificultando a reintegração dos presos à sociedade. Esse cenário viola o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que assegura a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro.
A prisão preventiva, ao ser aplicada sem critérios rígidos e em desconformidade com sua natureza excepcional, também fomenta preconceitos sociais. Como destaca Carnelutti, em sua obra “As Misérias do Processo Penal”, a civilização consiste na capacidade de tratar o homem como ser dotado de dignidade, e não como uma coisa. [2]
A utilização da prisão cautelar como forma de punição desumaniza os custodiados, reforçando a ideia de que são meros delinquentes, e não sujeitos de direitos.
O atual modelo de sistema carcerário brasileiro precisa ser discutido. De um lado temos a população reclamando por leis penais mais rígidas, de outro, temos as realidades dos números, onde as superlotações prisionais relevam uma realidade punitivista.
Isso ocorre porque a regra da liberdade, somada à ineficiência do Estado, gera processos intermináveis, o que acaba transmitindo à população a ideia de impunidade. A resposta que o Judiciário tem dado a essa problemática parece ser o oposto do ideal: em vez de buscar a celeridade processual, tem optado pela utilização massiva das prisões preventivas, promovendo uma falsa sensação de justiça.
No campo ideal, a solução para a questão da superlotação prisional passa por medidas estruturantes. Primeiramente, é necessário que o poder judiciário observe estritamente os critérios legais para decretação da prisão preventiva, aplicando alternativas penais, como monitoramento eletrônico e prisão domiciliar, sempre que possível.
Além disso, é imperativo que o poder público invista na melhoria das condições carcerárias, assegurando a dignidade dos custodiados e possibilitando sua reinserção social.
É também necessária a promoção de um debate social mais aprofundado sobre o sistema prisional e os direitos dos presos. Embora parte da população trate a questão com desdém, considerando os presos como “foras da lei”, é fundamental reconhecer que a privação de liberdade não exclui outros direitos.
Esse entendimento está alinhado com os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como as Regras de Mandela, que estabelecem padrões mínimos para o tratamento de presos.
Portanto, o enfrentamento da utilização abusiva da prisão preventiva e das consequências da superlotação prisional exige uma atuação conjunta do poder público, do sistema de justiça e da sociedade civil.
Somente com a observação rigorosa dos princípios constitucionais e com a adoção de políticas públicas eficazes poderemos construir um sistema prisional mais justo e humano, condizente com os valores de uma sociedade verdadeiramente civilizada.
[1] UOL. Dados do Anuário: Prisão Provisória no Brasil. Notícias, Cotidiano, 22 jul. 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/07/22/dados-anuario-prisao-provisoria.htm. Acesso em: 21 jan. 2025.
[2] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São paulo: Pillares, 2009. 127 p. v. unico. pag.8