Laicidade do Estado: Freio a Dicotomia Religiosa no Debate Público

Compartilhe esse post

A Igreja Católica na Idade Média – especificamente durante o período conhecido como “Idade das Trevas” – caracterizou-se pela hegemonia interpretativa das Escrituras Sagradas. Qualquer indivíduo que ousasse divergir enfrentava a ira e o autoritarismo da Igreja. Divergir dos escolhidos de Deus para interpretar as Escrituras era impensável.

Esse contexto histórico é amplamente conhecido, o que torna ainda mais surpreendente perceber como essa dinâmica, especialmente no que tange à intolerância à divergência, se repete de forma velada nos dias atuais.

À medida que as igrejas se inserem cada vez mais no espaço público e abrem as portas para ideologias político-partidárias, ressurge a dicotomia típica da Idade Média: o lado adversário é visto como o inimigo, o mal, o diabo, aquele que deve ser combatido; enquanto a igreja se posiciona como o lado bom, intocável e representante da verdade absoluta. Divergir das igrejas ou questioná-las, para muitos, continua sendo um ato inaceitável.

Essa estratégia reflete um autoritarismo religioso que, embora menos explícito, ainda opera, silenciando opiniões divergentes, seja no interior das igrejas, seja no debate público. Aqueles que ousam discordar dentro do ambiente religioso frequentemente são marginalizados e rotulados como “desviados”, reforçando a suspeita de que a pregação da cruz é direcionada apenas aos que se mantêm submissos.

O problema se agrava quando essa dinâmica ultrapassa os limites das igrejas e se infiltra no debate público. A retórica e a influência pastoral têm captado a atenção de atores políticos, permitindo que o autoritarismo religioso seja introduzido no discurso partidário.

Imagine um cenário onde o autoritarismo religioso velado se manifesta no debate público: “Se você não concorda com este posicionamento, então está automaticamente do outro lado – o lado da mentira, do mal, do diabo e do inferno.”

Lutar contra o fundamentalismo religioso é uma tarefa árdua. Não se debate a fé alheia, e líderes políticos parecem ter compreendido bem essa dinâmica. Em qualquer embate contra um fundamentalista – seja sobre questões religiosas ou político-partidárias –, não importa o quão bem fundamentada seja sua argumentação, invariavelmente a dicotomia religiosa será evocada. A lógica será simples: Deus está de um lado, o diabo do outro, e você, ao divergir, está no lado do inimigo.

É aqui que reside a importância fundamental do princípio da laicidade do Estado. Capturar a fé alheia como ferramenta de poder político é, historicamente, arbitrário, despótico e antidemocrático.

Garantir a laicidade do Estado, na prática, eleva o debate público ao plano racional, lógico, científico e material, afastando-o de um campo metafísico e moral. Afinal, não cabe ao Estado determinar quais crenças ou valores morais devem ser seguidos pelos cidadãos.

Quando a retórica religiosa invade o debate público, ela inevitavelmente traz consigo aspectos autoritários e arbitrários, comprometendo a legitimidade e a pluralidade do próprio argumento.

Veja mais

Estamos online!